Meia
Noite em Paris (Midnight in Paris) – 2011
Woody
Allen
Desde que suas
produções migraram para a Europa, em 2005, Woody Allen vem nos presenteando com
grandes filmes. Meia noite em Paris (2011) é mais uma bem sucedida obra do
diretor, que reafirma sua maestria, porém conserva o conforto de que ser um
artista consagrado lhe dá.
Gil Pender (Owen Wilson) é um
escritor americano, que está cansado de escrever roteiros pobres para o cinema
hollywoodiano, e está em Paris a passeio com sua noiva Inez (Rachel McAdams), aproveitando
a oportunidade de estar na cidade para que a mesma lhe traga a inspiração que
lhe falta em concluir seu novo trabalho. Então Gil resolve dar um passeio e
exatamente a meia noite a magia acontece, o mesmo volta ao passado e
encontra-se pessoalmente com grandes artistas como Ernest Hemingway (Corey
Stoll), F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), Gertrude Stein (Kathy Bates),
entre outros, que o influenciam em sua arte e ao mesmo tempo em sua vida
pessoal. Ao que parece de início, o roteiro é bastante simples, e realmente o
é, Allen se apropria da rotina do cotidiano, dos questionamentos pessoais, do
real fantástico, da atemporal Paris, dos diálogos inteligentes da comédia
irônica para nos apresentar um filme rico em detalhes e interpretações. Logo de
início nos é apresentada a Cidade Luz, desde o dia até a noite, com chuva e com
sol, com planos curtos e uma trilha extra diegética, como que em cartões
postais. Mais do que apenas ver a cidade temos a sensação do que é Paris, do
clima que a envolve, e sempre que o diretor quer nos trazer essa sensação
novamente, a mesma trilha surge, “costurando” toda a diegese. Retratar a cidade
de Paris é sempre um desafio para qualquer diretor, pois ela já foi exposta de
forma brilhante por vários outros cineastas renomados em “Paris, te amo” (2006).
Allen utiliza da fantasia para mostrar uma Paris diferente, intelectual e
efervescente, não poderia ter feito escolha melhor, Paris é atemporal e
adaptável em sua arquitetura e cultura, tanto aos anos 20, e até mesmo antes disso,
quanto nos dias de hoje. Os diálogos entre os personagens são a chave para
compreender a obra, nele o diretor faz uso da paralepse e fornece sinais do
rumo que a mimese irá tomar, como por exemplo, quando o personagem Paul
(Michael Sheen) compara o protagonista com Miniver Cheevy, que é um poema
narrativo escrito por Edwin Arlington Robinson, de 1910, relatando a história
de um romântico sem esperança que gasta seu tempo pensando como seria sua vida
se ele tivesse nascido antes, algumas cenas depois Gil é levado ao passado. O
diretor aproveita a metaficção para fazer suaves críticas ao modelo
hollywoodiano de cinema, além disso, a história que o personagem escreve se
mistura com sua própria história, na tentativa do diretor em mostrar que apenas
ser detentor do saber, ou melhor, fazer museologia da arte de nada vale, a arte
tem que influenciar diretamente em nossas vidas. Pelo mesmo motivo Gil chama
Paul de pseudo intelectual e não o suporta. Também faz críticas sutis ao eterno
confronto entre franceses e ingleses, como por exemplo, no diálogo entre o
casal Gil e Inez e os pais de Inez, onde o pai diz não ser nenhum pouco
francófilo, e em outra passagem quando Gil pede auxílio para encontrar seu
hotel, mas o jovem casal não o ajuda, situação comum de acontecer na França,
caso você peça em inglês. A sutileza parece ser bem vinda nesta obra de Woody
Allen, um cômico sutil, um drama sutil, um romantismo sutil, até mesmo a
fantasia pode-se dizer que é sutil, no sentido de que tudo parece se encaixar
sem muita preocupação, e assim o diretor conduz sua obra, com pitadas de
sutilezas que fazem toda a diferença. Interessante também mencionar a relação
do objeto “carro antigo” dentro da diegese, pois é o carro responsável por
leva-lo para dentro da fantasia, antes as badaladas e depois o carro. Atentando
as repetições, a música de Cole Porter, que diz “let’s fall in love”, o cantor
é a ligação de Gil com Gabrielle (Léa Seydoux), no final Gil rompe com a noiva
e encontra-se com Gabrielle. Um desfecho cômico, onde tudo se resolve, mas é
justamente esse modelo híbrido de cinema que agrega mais valor a sua obra.
Na época, aos 75 anos de idade, Woody Allen
dispensa reinvenções e a necessidade da auto superação, sua obra tem algumas
rupturas de seus próprios modelos, mas não vai muito longe. Meia noite em Paris
é um filme sem exageros que causam enjoo, é “degustado” aos pouco e por poucos.