domingo, 24 de janeiro de 2010

Metade



Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Me sinto fraquejar ao tentar expor alguma coisa a mais sobre estes versos tão sábios. Não tenho palavras para somar à algo já completo em sua magnitude. Reconheço apenas minha pequenez, e faço minhas estas palavras por que jamais saberia dizer coisas tão lindas.

Mas tinha que respirar



É um grande equívoco do ser humano dar significado à arte, seja ela qual for. Querer impor um conceito é lhe tirar a beleza da auto descoberta, é lhe tirar a inocência infantil. Por estes e outros motivos, abdico de expor o por que de tudo. E, pelo menos,  por poucos minutos consigo me despir da vaidade e ter a sensibilidade para ver a beleza de uma grande artista dentro de sua arte. Não me apego a detalhes para trazer a emoção, mas sim, mergulho no conjunto audio-visual-sensitivo e meu coração dispara, só isso me basta.

Debaixo d'água tudo era mais bonito
Mais azul, mais colorido
Só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Debaixo d'água se formando como um feto
Sereno, confortável, amado, completo
Sem chão, sem teto, sem contato com o ar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Debaixo d'água por encanto sem sorriso e sem pranto
Sem lamento e sem saber o quanto
Esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar
Debaixo d'água ficaria para sempre, ficaria contente
Longe de toda gente, para sempre no fundo do mar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
todo dia
Todo dia, todo dia
Debaixo d'água, protegido, salvo, fora de perigo
Aliviado, sem perdão e sem pecado
Sem fome, sem frio, sem medo, sem vontade de voltar
Mas tinha que respirar
Debaixo d'água tudo era mais bonito
Mais azul, mais colorido
Só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Todo dia

Agora que agora é nunca
Agora posso recuar
Agora sinto minha tumba
Agora o peito a retumbar
Agora a última resposta
Agora quartos de hospitais
Agora abrem uma porta
Agora não se chora mais
Agora a chuva evapora
Agora ainda não choveu
Agora tenho mais memória
Agora tenho o que foi meu
Agora passa a paisagem
Agora não me despedi
Agora compro uma passagem
Agora ainda estou aqui
Agora sinto muita sede
Agora já é madrugada
Agora diante da parede
Agora falta uma palavra
Agora o vento no cabelo
Agora toda minha roupa
Agora volta pro novelo
Agora a língua em minha boca
Agora meu avô já vive
Agora meu filho nasceu
Agora o filho que não tive
Agora a criança sou eu
Agora sinto um gosto doce
Agora vejo a cor azul
Agora a mão de quem me trouxe
Agora é só meu corpo nu
Agora eu nasço lá de fora
Agora minha mãe é o ar
Agora eu vivo na barriga
Agora eu brigo pra voltar
Agora

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Lágrimas



De meus olhos caem lágrimas
Acompanhadas de soluços
Incontroláveis

Derramam-se sobre mim
Penetram minha pele
Desatam nós que me sufocam

Dilaceram meus órgãos e sentidos
Saem por meus poros

Escorrem até meus pés
Plantados no chão
Agoam tristezas, rejeições e dores

Que a cada segundo crescem
Florescem
E ocupam todos os lugares
Conscientes, inconscientes e subconscientes 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Vida em Preto e Branco (1998)




“A vida em preto e branco” (1998), é a obra prima do diretor Gary Ross, antes e depois dela sua carreira é quase que inexpressiva.

David (Tobey Maguire) é um rapaz dos anos 90, de estereótipo “nerd”, vive uma vida solitária, não tem amigos, não tem namorada, usa óculos, se veste com camisa de botão de gola fechada e os cabelos penteados de lado, além de possuir uma fixação por um seriado norte-americano chamado de “Pleasentville”, traduzindo para nossa língua seria Vila Agradável, que se passa nos anos 50 e é em preto e branco, para ele o seriado é uma projeção do que seria uma vida perfeita, repleto de puros valores familiares. Durante uma discussão com sua irmã Jennifer (Reese Whisterpoon) eles acabam quebrando o controle remoto da nova televisão, imediatamente um estranho técnico aparece para consertá-la e oferece a David outro controle remoto de aspecto bem futurista, ao apertar o botão David e Jennifer são transferidos para dentro do seriado fictício “Pleasentville”. Lá todas as pessoas são felizes e sorridentes, tem casa, carro, o time de basquete nunca perde uma partida, as pessoas não fazem sexo, esposa e marido dormem em camas separadas, as pessoas não tomam decisões por si próprias, os bombeiros só salvam gatinhos em árvores, não há crimes, as pessoas não conhecem nada além das fronteiras, a televisão e a escola não ensinam nada que não seja sobre a cidade em que vivem. Eles passam a viver a vida dos personagens Bud e Mary Sue, filhos do “casal perfeito” George Parker (Wiliam H. Macy) e Betty Parker (Joan Allen). Por não se adaptarem a rotina “monocromática” daquela cidade eles passam a interferir com seus conhecimentos e valores pessoais na vida daquelas pessoas, mostrando que eles podem agir de forma diferente daquilo que foram “programados”. O roteiro parece bobo, até mesmo infantil e piegas, mas na verdade é aí onde está a grande magnitude do diretor: a forma como a história é contada. Os sábios para se fazerem entender, assim como fez Cristo, contam seus ensinamentos através de metáforas, ou fábulas. Está presente na obra de Ross muita filosofia, como por exemplo, os ensinamentos do filósofo Platão com o mito da caverna: “Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. Um dos prisioneiros decide abandonar essa condição e fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. Aos poucos vai se movendo e avança na direção do muro e o escala, com dificuldade enfrenta os obstáculos que encontra e sai da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais além todo o mundo e a natureza”. Ross critica de forma artística e sutil a sociedade hipócrita que vivemos, critica todos os órgãos que alienam as pessoas achando que estão tornando a sociedade mais harmoniosa, critica a igreja por ter colocado na cabeça das pessoas a idéia de pecado, critica os políticos e a todos aqueles que se acham no direito de tomar decisões pelo “todo”, expõe bem um pensamento Nietzscheniano, que cada pessoa sabe de seus anseios, de seu íntimo e que nada nem ninguém deve dizer-lhe o que fazer de sua própria vida. A direção de arte é esplêndida, a partir do momento em que as pessoas vão se deixando viver aquilo que grita dentro de suas entranhas, seus amores, seus desejos, seus raivas, suas mentiras, vão ganhando cores e se diferenciando dos demais. A primeira aparição de cor em “Pleasentville” é logo após a primeira experiência sexual de um jovem com Mary Sue, quando, ao deixá-la em casa uma flor no meio de tantas outras pretas, brancas ou cinzas ganha a cor vermelha. Os anos 50, ou anos rebeldes é caracterizado pela libertação sexual e musical com o surgimento do cantor Elvis Presley e o rock’n roll, representando bem essa mudança de mentalidade da juventude revolucionária e transgressora da época, em que os casais de namorados mal podiam se beijar em público. O elenco foi escolhido a dedo. Se falando em interpretação, Joan Allen e Jeff Daniel se destacam. Joan consegue transmitir de uma forma magnífica tudo o que sente a personagem, pois quase não usa palavras, somente seu olhar fala com o espectador. É bem perceptível as mudanças de estado e a crescente da personagem Betty Parker, ao contrário de outros que tem suas descobertas de uma forma mais clichê, como, por exemplo, a da personagem Mary Sue que cansou de ser a menina liberal para ficar em casa lendo um livro, ou então a famosa cena Hollywoodiana de julgamento do personagem Bud no final do filme. Dentro da estética cinematográfica o filme utiliza poucos recursos, a leitura prospectiva e retroativa é simples e objetiva, o espectador já sabe o irá acontecer desde o começo, o narrador é homodiegético e a narrativa tem um ponto de vista limitado, já que vários personagens desenvolvem a história.




O que há de mais significante é sem dúvidas a direção de arte e o roteiro, o preto e branco realçando ainda mais as outras cores, o diálogo que elas fazem com a vida dos personagens, como na marcante cena em que o jovem Bud usa maquiagem para pintar a mãe de preto e branco, mostrando que nem todos estão prontos para lhe dar com as responsabilidades de suas decisões. Outra grande cena, uma das mais lindas do filme é aquela em que Bud leva sua primeira namorada a Alameda dos Namorados durante o caminho somente as folhas das árvores estão rosa e caem sem parar, ao som de uma trilha magnífica, a música “At Last”.

Todavia, mesmo com todos os clichês, com todas as cenas piegas que aparentemente me parecem ser utilizadas de forma proposital, Gary Ross conseguiu atingir o âmago de todos, conseguiu fazer com que pessoas de todas as idades compreendessem o significado das imagens que saltam da tela, conseguiu dar sons, formas, cheiro e sentido as cores e induzir a todos que o assistem a colorir suas vidas.


sábado, 16 de janeiro de 2010

Ponto Final - Match Point



Ponto Final – Match Point (2005) é um dos poucos filmes de Woody Allen rodados na Europa, mas precisamente em Londres, já que a maioria dos seus trabalhos cinematográficos foram produzidos em Nova Iorque. A escolha não poderia ter sido melhor, o ar de Londres, com todo o seu bucolismo arraigado na arquitetura, e na cultura local deu ao filme um toque especial em todos os sentidos, até mesmo na construção dos personagens.
Na tela o espectador acompanha a misteriosa história de Chris (Jonathan Rhys-Meyers), um professor de tênis que conhece uma jovem milionária chamada Chloe (Emily Mortiner), irmã de seu aluno Tom (Matthew Goode). Divido entre o deslumbre da repentina ascensão social e o desejo pela bela Nola (Scarlett Johansson), noiva de seu cunhado e aspirante a atriz, ele passa a viver atormentado pelas escolhas que deve tomar em sua vida. A grande sacada de Allen para este filme é a abordagem do elemento sorte na vida das pessoas, e de como nos incomoda saber que dependemos dela desde as nossas primeiras horas de vida. “Há momentos em que a bola bate no topo da rede e por um segundo ela pode ir para o outro lado ou voltar. Com sorte, ela cai do outro lado e você ganha. Ou talvez não caia e você perca.” Para qualquer outro diretor o simples fato de um jovem ter que escolher entre uma paixão e uma vida de luxo seria o bastante para um bom roteiro, porém Allen incorpora elementos ainda mais intrigantes. Na cena em que o personagem Chris lê o livro “Crime e Castigo” de Dostoievski, temos um flashfoward de que ele cometerá um assassinato, mostrando a tênue linha que separa a sanidade da loucura. O filme ainda agrega elementos filosóficos, dentro do próprio diálogo entre os personagens, como na cena em que Chris, perturbado pelo assassinato que cometeu, vê suas vítimas, Nola e a vizinha, e tenta justificar para si mesmo e para elas o porquê de ter cometido o crime. Não diria que a partir deste momento o espectador aceite os motivos de Chris, porém é perturbador saber que qualquer ser humano é capaz de cometer tal atitude, tudo depende um motivo maior, tudo depende de uma verdade criada dentro de cada um para justificar tais atitudes, mesmo que se arrependa logo em seguida. Há trilha sonora também é especial, são óperas consagradas que se adaptam a diogese e a proposta da produção. No quesito interpretação se destacam o casal, Jonathan Rhys-Meyers e Scarlett Johansson, o primeiro pela forma minimalista como conseguiu dar ao seu personagem um “quê” de mistério e de dúvida desde o inicio da trama, e a segunda pela beleza e sensualidade que emana de seus olhos sem esforço, dando ao casal uma ligação sexual extremamente agressiva somente pela troca de olhares. O final do filme é espetacular, o elemento sorte trouxe o diferencial para o filme de Allen, por isso o roteiro é tão maravilhoso, pois não segue o clichê de simplesmente copiar a história do livro e seguir uma tendência Hollywoodiana, mas sim de ser fiel a seu roteiro causando alegria naqueles que estudam a arte do cinema e frustração para outros.
É certo que o filme conseguiu agradar a crítica, pela originalidade e pela re-invenção do diretor, Ponto Final – Match Point é um dos melhores filmes do ano de 2005, sem sorte, mas com muito esforço, talento e inteligência Allen mostra àqueles que ainda não acreditam, ou não o entendem, que seu nome já esta na história.

Trailer do Filme



terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Promessa de dedos cruzados



Argumento, fotografia, filmagens e edição: Ciro MacCord

"O verdadeiro artista tem que aprender a conviver com a solidão"

O curta de Ciro MacCord aborda um tema cheio de vertentes a se trabalhar dentro do cinema e dentro da proposta do estilo curta metragem, ou seja, rápido link da diogese com o espectador. O argumento é pobre, muito auto-explicativo, o que faz com que o curta fique menos interessante, pois nos priva de uma opinião própria a respeito do que o narrador/personagem (homodiegético) nos transmite, isso faz com que o curta ganhe uma cara de documentário. Além de que o personagem se contradiz em algumas falas, no final, afirmando que acredita em astrologia e em extraterrestres e no início na primeira fala "meu nome é narciso, não acredito em religião grega, romana"...parece piada né? Tb achei que fosse proposital. Porém a fotografia, a filmagem e a edição são muito boas, as imagens associadas a trilha non-stop e o monólogo conseguem de uma certa forma transmitir uma verdade no que está sendo dito pelo ator. O Ciro usa a técnica do "close" no rosto ou em partes do rosto, isso faz com que a emoção que o ator deseja passar seja ampliada pela câmera, é como se ela conseguisse enxergar dentro do ator. Apesar de dar muito trabalho, e eu imagino o quanto o diretor trabalhou, já que o levou nas costas, o curta me parece um espaço mais que oportuno para se experimentar. Podemos perceber no curta uma ótima oportunidade para novos atores e diretores, por isso não devemos criticá-los tão acidamente quase que o comparando com um longa, como pude perceber em alguns comentários, e sim apontar os erros para que possam ser corrigidos adiante.

Este foi meu primeiro post de 2010, e realmente não o fiz isento de qualquer intenção, porém também não serei piegas a ponto de lhes expor mais do que isso. Compreendam meus caros, aquele que nega na verdade se entrega, porém se entrega a poucos, aos íntimos e/ou aos irônicos e inteligentes de alma.