Tenho 31 anos, meu nome pouco
importa, não faria diferença nenhuma, qualquer pessoa poderia estar contando
essa história. Sou uma mulher comum, com pensamentos e atitudes incomuns, e
isso muda tudo, mas meu nome pouco importa.
Há mais ou menos uns dois anos, após várias tentativas frustrantes na vida
real, resolvi dar uma chance ao mundo virtual e iniciei uma conversa com um
homem que julguei de perfil interessante. O meu perfil era simples, poucas
fotos, poucas informações, sempre tive medo, não medo de expor as informações
como se alguém fosse usá-las para sequestro ou coisa do tipo, não, medo de me
expor demais e ninguém realmente se interessar. Sempre fui estranha, cheia de
limites, limites na cama, nojo de muita coisa, mania de limpeza, quase um “toc”
na verdade, nunca fiz sexo anal, coisas horríveis passam pela minha cabeça e eu
jamais iria conseguir fazer sexo oral neste mesmo homem novamente, este já foi
um grande progresso da minha parte. Ficamos na virtualidade por alguns meses,
mensagens de texto, ligações, e-mails. E confesso que esse amor virtual estava
me deixando quase uma mulher completa, me sentia bem, amada, realizada e não
precisa vê-lo pessoalmente, dividir minhas coisas, meu apartamento,
minha cama, nada, era perfeito. Até o dia em que ele simplesmente sumiu, seu
perfil havia sido deletado, o celular sempre desligado, foi um choque para mim,
passei alguns dias sem conseguir sair da cama, somente levantava
para tomar banho. Nunca havia passado pela minha cabeça encontrá-lo
pessoalmente, eu sempre evitei isso. Eu tinha certeza que quando saíssemos pela
primeira vez, em qualquer lugar que fôssemos eu iria errar de alguma forma. Na
virtualidade éramos vaidade e eu morria de medo de tirar essa pele. Deitada na
cama, tomei uma decisão: eu iria procurá-lo. Não era mais tão jovem assim, não
podia e nem queria desperdiçar essa chance. Mandei uma carta para o endereço
que havia me fornecido na primeira vez que me convidou para jantar em seu
apartamento. Senti-me ousada ao extremo, não sabia se havia encontrado
outra pessoa, se havia mudado de cidade, se havia morrido e no final da carta
ainda pedi que não me respondesse o convite, que caso não comparecesse eu iria
entender. O convite era para um jantar, em meu apartamento, no fim de semana
que estava por vir, um sábado à noite. Senti-me
viva novamente, fui ao shopping, ao cabeleireiro. No dia combinado eu organizei
tudo, cozinhei, decorei a luz de velas, comprei vinhos e queijos. Tudo estava
perfeito, só faltava ele. Faltava? Confesso que em certos momentos eu até
esquecia que era para ele tudo aquilo. Pois bem, alguns minutos antes do combinado
a campainha toca, e era ele, isso me irritou um pouco, pois tive que me maquiar
as pressas. Trouxe-me flores, deveria ter pensado nisso antes, em minha casa só
havia flores de plástico, mas tudo bem, seriam as primeiras, coloquei em um lindo
vaso próximo a janela da sala. Eu não sabia por que, ou sabia bem, não estava
me sentindo a vontade, na minha cabeça eu achava que aquilo era um erro, que forcei demais a mim mesma. Enquanto aquele homem sentado em minha frente comia e
falava, comia e falava, eu travava uma luta interna. Até o momento em que fui
vencida. Quando ele acabou de comer e sorriu dizendo que a comida estava ótima,
eu vi um pedaço da salada grudada em seu dente. Foi o fim. Eu não conseguia
mais prestar atenção em nada, aquele pedaço verde aparecia quase sempre, por
que ele falava sorrindo e isso me irritava ao extremo, eu tive nojo daquele
homem, nojo de ele estar em minha casa, nojo da comida, não conseguia mais
comer, nem beber nada, este ato representava trazê-lo pra dentro de mim, e eu
não era capaz. Numa questão de segundos, um filme passou pela mente, lembrei-me
de todos os meus ex-namorados, lembrei-me de como nossos relacionamentos eram
superficiais, não havia intimidade, era um sexo sem intimidade, com limites, um
sexo com vergonha do meu sexo, mas era também o único momento em que se podia dizer
que estávamos juntos, pois fora da cama eu tinha o meu mundo e eles o deles.
Nunca usei o banheiro na frente de algum deles, nunca limpei nariz ou espremi
espinha e cravos deles nem eles a mim, nunca cortei unhas deles, nunca comi do
prato, ou algo já mastigado, ou parte de algo já comido, nunca lavei cuecas deles,
nunca deixei a mostra por muito tempo as partes do meu corpo que não gosto,
como uma cicatriz que tenho nas costas, nunca me depilei na frente deles, um
monte de “nuncas” nos distanciava. Eu comecei a me questionar se essas atitudes
realmente são necessárias em um relacionamento, se essa falta de pudor é
realmente bem vinda, se isso contribui de alguma forma para unir duas pessoas,
se isso é demonstração de amor e carinho. E aquele homem que eu dizia que
estava apaixonada perdidamente estava ali na minha frente, e quem era ele
afinal? Eu não ouvia nada do que ele dizia. Num impulso, que não sei de onde
veio, me levantei e beijei sua boca, foi um beijo que nunca havia dado na vida,
com muita língua e saliva. No fim, o pedaço verde em seu dente não estava mais
lá, e eu estava feliz, talvez eu tivesse até engolido. Por incrível que pareça não tive nojo. Bebemos mais vinho e nesta noite fiz o melhor sexo da minha
vida. Durante o sexo lembro que engoli um pêlo dele, foi nessa hora que eu
tive a certeza que estava perdidamente apaixonada e que ele agora fazia mais
parte de mim do que a minutos atrás.
Para minha decepção tudo não havia passado de um sonho. Nunca mais vi aquele
homem virtual. Conheci meu marido em um restaurante barato aqui perto de casa.
Estávamos almoçando, ambos sozinhos, com mesas bem próximas e ele não parava de
fazer sinal para que eu tirasse um pedaço de salada que havia grudado em meus
dentes.