quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Vida em Preto e Branco (1998)




“A vida em preto e branco” (1998), é a obra prima do diretor Gary Ross, antes e depois dela sua carreira é quase que inexpressiva.

David (Tobey Maguire) é um rapaz dos anos 90, de estereótipo “nerd”, vive uma vida solitária, não tem amigos, não tem namorada, usa óculos, se veste com camisa de botão de gola fechada e os cabelos penteados de lado, além de possuir uma fixação por um seriado norte-americano chamado de “Pleasentville”, traduzindo para nossa língua seria Vila Agradável, que se passa nos anos 50 e é em preto e branco, para ele o seriado é uma projeção do que seria uma vida perfeita, repleto de puros valores familiares. Durante uma discussão com sua irmã Jennifer (Reese Whisterpoon) eles acabam quebrando o controle remoto da nova televisão, imediatamente um estranho técnico aparece para consertá-la e oferece a David outro controle remoto de aspecto bem futurista, ao apertar o botão David e Jennifer são transferidos para dentro do seriado fictício “Pleasentville”. Lá todas as pessoas são felizes e sorridentes, tem casa, carro, o time de basquete nunca perde uma partida, as pessoas não fazem sexo, esposa e marido dormem em camas separadas, as pessoas não tomam decisões por si próprias, os bombeiros só salvam gatinhos em árvores, não há crimes, as pessoas não conhecem nada além das fronteiras, a televisão e a escola não ensinam nada que não seja sobre a cidade em que vivem. Eles passam a viver a vida dos personagens Bud e Mary Sue, filhos do “casal perfeito” George Parker (Wiliam H. Macy) e Betty Parker (Joan Allen). Por não se adaptarem a rotina “monocromática” daquela cidade eles passam a interferir com seus conhecimentos e valores pessoais na vida daquelas pessoas, mostrando que eles podem agir de forma diferente daquilo que foram “programados”. O roteiro parece bobo, até mesmo infantil e piegas, mas na verdade é aí onde está a grande magnitude do diretor: a forma como a história é contada. Os sábios para se fazerem entender, assim como fez Cristo, contam seus ensinamentos através de metáforas, ou fábulas. Está presente na obra de Ross muita filosofia, como por exemplo, os ensinamentos do filósofo Platão com o mito da caverna: “Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. Um dos prisioneiros decide abandonar essa condição e fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. Aos poucos vai se movendo e avança na direção do muro e o escala, com dificuldade enfrenta os obstáculos que encontra e sai da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais além todo o mundo e a natureza”. Ross critica de forma artística e sutil a sociedade hipócrita que vivemos, critica todos os órgãos que alienam as pessoas achando que estão tornando a sociedade mais harmoniosa, critica a igreja por ter colocado na cabeça das pessoas a idéia de pecado, critica os políticos e a todos aqueles que se acham no direito de tomar decisões pelo “todo”, expõe bem um pensamento Nietzscheniano, que cada pessoa sabe de seus anseios, de seu íntimo e que nada nem ninguém deve dizer-lhe o que fazer de sua própria vida. A direção de arte é esplêndida, a partir do momento em que as pessoas vão se deixando viver aquilo que grita dentro de suas entranhas, seus amores, seus desejos, seus raivas, suas mentiras, vão ganhando cores e se diferenciando dos demais. A primeira aparição de cor em “Pleasentville” é logo após a primeira experiência sexual de um jovem com Mary Sue, quando, ao deixá-la em casa uma flor no meio de tantas outras pretas, brancas ou cinzas ganha a cor vermelha. Os anos 50, ou anos rebeldes é caracterizado pela libertação sexual e musical com o surgimento do cantor Elvis Presley e o rock’n roll, representando bem essa mudança de mentalidade da juventude revolucionária e transgressora da época, em que os casais de namorados mal podiam se beijar em público. O elenco foi escolhido a dedo. Se falando em interpretação, Joan Allen e Jeff Daniel se destacam. Joan consegue transmitir de uma forma magnífica tudo o que sente a personagem, pois quase não usa palavras, somente seu olhar fala com o espectador. É bem perceptível as mudanças de estado e a crescente da personagem Betty Parker, ao contrário de outros que tem suas descobertas de uma forma mais clichê, como, por exemplo, a da personagem Mary Sue que cansou de ser a menina liberal para ficar em casa lendo um livro, ou então a famosa cena Hollywoodiana de julgamento do personagem Bud no final do filme. Dentro da estética cinematográfica o filme utiliza poucos recursos, a leitura prospectiva e retroativa é simples e objetiva, o espectador já sabe o irá acontecer desde o começo, o narrador é homodiegético e a narrativa tem um ponto de vista limitado, já que vários personagens desenvolvem a história.




O que há de mais significante é sem dúvidas a direção de arte e o roteiro, o preto e branco realçando ainda mais as outras cores, o diálogo que elas fazem com a vida dos personagens, como na marcante cena em que o jovem Bud usa maquiagem para pintar a mãe de preto e branco, mostrando que nem todos estão prontos para lhe dar com as responsabilidades de suas decisões. Outra grande cena, uma das mais lindas do filme é aquela em que Bud leva sua primeira namorada a Alameda dos Namorados durante o caminho somente as folhas das árvores estão rosa e caem sem parar, ao som de uma trilha magnífica, a música “At Last”.

Todavia, mesmo com todos os clichês, com todas as cenas piegas que aparentemente me parecem ser utilizadas de forma proposital, Gary Ross conseguiu atingir o âmago de todos, conseguiu fazer com que pessoas de todas as idades compreendessem o significado das imagens que saltam da tela, conseguiu dar sons, formas, cheiro e sentido as cores e induzir a todos que o assistem a colorir suas vidas.


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